segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Equilíbrio Ácido-Básico na Ressucitação Cardiopulmonar

A acidose metabólica é um distúrbio comum em pacientes com parada cardíaca e está ligado prioritariamente com a hiperlactatemia (altos níveis de lactato). Esta acidose severa gera fortes respostas compensatórias, tais como hipocloremia, hipercalemia, hipoalbuminemia e, em menor grau, hipermagnesemia e hipercalcemia, respostas essas que auxiliam bastante na alcalinização.

A ressucitação cardiopulmonar está associada com acidemia arterial e acidose do coração e cérebro. Seis minutos de parada cardíaca já são suficientes para a perda completa de ATP cerebral e diminuição do pH para 6,3. Entretanto, com uma pressão de perfusão cerebral maior que 60 mmHg, recupera-se a reserva de ATP e o pH cerebral. Porém, com uma baixa pressão de perfusão, o cérebro não está apto a regular seu pH quando o pH sanguíneo está muito baixo.

Duas explicações podem ser dadas para o progressivo decréscimo no pH cerebral durante a ressucitação cardiopulmonar. Em primeiro lugar, o decréscimo progressivo no pH sanguíneo faz com que equivalentes ácidos atravessem a barreira hematoencefálica. Em segundo lugar, a pressão de perfusão cerebral de 30 mmHg é próxima do limite para o metabolismo anaeróbico iniciar, diminuindo os níveis de ATP e aumentando os níveis de lactato.


A falência de perfusão tecidual e da oxigenação ocorrida na parada cardiorrespiratória, acarreta hipóxia, que provoca glicólise anaeróbica, com aumento da produção de ácido láctico, causando consequentemente acidose metabólica.

Essa acidose deve ser prontamente corrigida, pois pode contribuir para a diminuição da contratilidade do miocárdio, arritmias cardíacas e diminuição do tônus vascular periférico. A ventilação do paciente pode corrigir a acidose respiratória, mas pode, isoladamente, não ser suficiente para corrigir a acidose metabólica e, nesses casos, a terapia alcalinizante com bicarbonato de sódio é recomendada.

Teoricamente, o uso de soluções tampões pode determinar hiperosmolaridade plasmática, hipernatremia e alterações neurológicas. O bicarbonato administrado pode reagir com radicais H+ resultantes da degradação do ácido láctico, produzindo CO2 e água. O CO2, por sua vez, é mais permeável às membranas que o bicarbonato, cruzando-as em maior proporção e agravando a acidose intracelular.

Porém, ensaios clínicos em cães demonstraram que o uso de bicarbonato de sódio diminuiu o tempo requerido para a circulação espontânea e produziu menos déficits neurológicos nos animais sobreviventes. Também ocorreu aumento das perfusões coronariana e sistêmica, com necessidade de doses menores de adrenalina para o restabelecimento da circulação.

A parada cardíaca e circulatória total em cães promove diminuição do pH devido ao desvio da atividade metabólica para a via do ácido lático, uma vez que condições de anaerobiose se instalam devido à parada da circulação. O afluxo de um ácido fixo consome bicarbonato e outros tampões, provocando uma acidemia (pH < 7,35). A acidose metabólica primária (queda no HCO3-) leva a uma alcalose respiratória compensatória (queda na PaCO2), logo, o pH cai no início (acidose), mas a resposta compensatória praticamente corrige-o até a normalidade (acidemia leve). Assim, em conjunto com um HCO3- reduzido e uma PaCO2 elevada, o pH do fluido extracelular cai, levando à ativação dos quimiorreceptores que estimulam a respiração. A hiperventilação com uma redução de PaCO2 é a resposta compensatória que tende a retornar o pH do LEC ao normal.

A ventilação artificial e a avaliação do pH e gases sanguíneos, nesses casos, são imprescindíveis e, se não for possível a realização dos últimos, a correção da provável acidose pode ser realizada após 5 minutos da parada cardíaca, na dose de 1 a 2 mEq/kg, por via intravenosa. Doses repetidas podem ser administradas a cada 10 minutos, sempre com o acompanhamento dos valores gasométricos.

Texto de Helber Danial Parchen
Médico Veterinário Anestesista
Residência em Anestesiologia Veterinária
Mestrando em Ciências Veterinárias
Hospital Veterinário da UFPR

Autista, baixista, atleticano e surfista prego
Seu lugar preferido é o Bar do Alemão
Curte um bom e velho rock´n roll

4 comentários:

  1. Olá. Muito bom o texto!!!
    Voce nao acha interessante dosar o lactato? Tem alguma experiência? Obrigada!!!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Olá Carolina.
    Acho a dosagem do lactato fundamental como valor prognóstico.

    A causa mais importante de acidose láctica é a deficiente oxigenação celular no choque (hipovolémico, cardiogénico ou séptico).
    Nestes casos, a severidade da hiperlacticidemia foi relacionada com o prognóstico. Quando superior a 10 mmol/L, são escassas as hipóteses de sobreviver:

    Lactato (mmol/L)/ Terminologia clínica/ Mortalidade associada (%)
    < 2,5 / normal --
    2,5 – 4,9 / ligeira / 25 - 35 %
    5,0 – 9,9 / moderada / 60 – 75 %
    > 10 / severa / > 95 %

    Além do valor dos níveis de lactato, também a duração da hiperlacticidemia tem importante valor prognóstico no choque séptico.


    Causas de aumento do lactato:

    Adrenalina – a hiperlacticidemia persistente observada em doentes traumatizados e sépticos mas hemodinâmicamente estáveis pode ser devida à glicólise aeróbica estimulada pela adrenalina. Neste doentes, as concentrações séricas de adrenalina encontram-se muito aumentadas e correlacionam-se com os níveis de lactato sérico, sugerindo ser reflexo da glicólise aeróbica. A adrenalina tendo a capacidade de estimular a bomba de Na+-K+ ATPase estimula a produção de lactato.
    O uso de perfusões de adrenalina encontra-se relacionado com o aumento dos níveis de lactato e com a acidose láctica. Este fenómeno não ocorre com perfusões de noradrenalina, pelo que a acidose láctica poderá ser um fenómeno b2-mediado.

    Endotoxemia – as toxinas produzidas pelas bactérias Gram negativas têm a capacidade de inibir a piruvato desidrogenase, conduzindo a um aumento do lactato no citoplasma das células sem que haja défice da oxigenação celular.

    Deficiência de Tiamina – a Tiamina é um co-factor da piruvato desidrogenase, pelo que o seu défice pode-se fazer acompanhar de hiperlacticidémia.
    A falta de Tiamina pode ser frequente em doentes de Cuidados Intensivos por variadas razões: 1) os depósitos são escassos (bastam 10 dias de privação para que surja deplecção); 2) o consumo aumenta em situações de hipercatabolismo e em doentes submetidos a suporte nutricional rico em carboidratos; 3) a excreção urinária aumenta nos doentes medicados com diuréticos. Por estas razões, há que contar com o deficit de Tiamina nos doentes com hiperlacticidemia inexplicada.

    Alcalose – a severa alcalose (respiratória ou metabólica) pode aumentar os níveis de lactato devido ao aumento da actividade de enzimas pH-dependentes da via glicolítica que promovem a formação de lactato. Quando a função hepática é normal o fígado metaboliza o lactato extra gerado durante a alcalose e a hiperlacticidemia torna-se evidente apenas quando o pH é igual ou superior a 7,6. Se a função hepática estiver alterada, a hiperlacticidemia surge com alcalose menos severa. A terapêutica com bases para correcção da acidose láctica pode conduzir a um aumento do lactato.

    Asma Aguda – a hiperlacticidemia é encontrada frequentemente na altura da admissão de doentes com crise asmática e aumenta significativamente durante o tratamento, apesar da significativa melhoria clínica (avaliada pela frequência respiratória, expirometria e gasimetria arterial) e na ausência de hipotensão, severa hipoxémia ou sépsis. As possíveis causas para a hiperlacticidemia poderão ser várias como a produção de lactato pelos músculos respiratórios, a hipofosfatemia e os fármacos broncodilatadores (b2 agonistas).

    Outras causas - convulsões (por aumento da produção de lactato), insuficiência hepática (por diminuição da clearance) e toxicidade do nitroprussiato (por acumulação de cianeto).

    Espero ter respondido sua questão.

    Abraço

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