sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O envolvimento de receptores NMDA na dor

Indivíduos que apresentem qualquer alteração orgânica que possa estar associada com dor aguda ou crônica desenvolvem uma resposta de estresse acompanhada da elevação dos níveis de corticotropina, cortisol, vasopressina (ADH), catecolaminas, aldosterona, renina, angiotensina II e glicose, além de diminuição nos níveis de insulina e testosterona. Estas mudanças podem resultar em um estado metabólico destrutivo generalizado com catabolismo protéico muscular e lipólise. Com isso, uma resposta prolongada pode retardar a cicatrização, aliada aos efeitos adversos do estresse sobre os sistemas imune, cardiovascular e respiratório, homeostasia e a função do trato gastrointestinal.

O sistema nervoso central (SNC) dos mamíferos é flexível e está apto a alterar suas funções e estrutura em resposta a um estímulo interno ou externo. Este fenômeno é chamado neuroplasticidade, sendo guiada por dois mecanismos interdependentes: a sensibilização periférica e sensibilização central.

A sensibilização periférica da via nociceptiva é um resultado da liberação de mediadores inflamatórios no local da injúria. O estímulo elétrico originado pela ação dessas substâncias nos nociceptores é transmitido pela inervação periférica até a medula espinhal. A estimulação repetida dos neurônios do corno dorsal da medula espinhal promove a sensibilização central. A quantidade de sinais que chegam à medula espinhal causa uma série de alterações nos neurônios do corno dorsal, principalmente com a ativação do receptor N-methyl-D-aspartato (NMDA), e com isso a resposta consequente aos estímulos que chegam fica alterada. Os neurônios apresentam-se hipersensíveis mesmo depois que o estímulo nociceptivo termine.

A indução da sensibilização central requer um breve, porém intenso período de estimulação do nociceptor, como uma incisão cirúrgica, estímulos intensos provenientes de um nociceptor periférico após trauma tecidual, ou estímulo oriundo de neurônios sensoriais danificados após injúria nervosa. Como resultado deste estímulo, o limiar de resposta dos neurônios centrais diminui, sua resposta subsequente ao estímulo é amplificada e seus campos receptivos aumentam para recrutar fibras aferentes silenciosas para a transmissão nociceptiva. Ao invés de produzir estímulos nociceptivos normais, estes neurônios modificados distorcem a transmissão do impulso, ocorrendo alodinia e hiperalgesia.

A ativação e modulação do receptor NMDA pelos neurotransmissores excitatórios, em especial o glutamato, é o ponto chave para o desenvolvimento da sensibilização central, hiperalgesia secundária, alodinia e consequentemente amplificação da resposta dolorosa. Em condições de repouso, o canal NMDA está bloqueado pelo magnésio (Mg++), o que faz necessário que o neurônio seja despolarizado com antecedência para que o receptor possa ser ativado pelo glutamato. Essa despolarização pode ser induzida pela ativação de receptores do tipo AMPA. A alteração na excitabilidade dos neurônios do corno dorsal é atribuída em parte à remoção do magnésio que bloqueia o receptor NMDA. Com a retirada deste bloqueio, estes receptores estão aptos a serem ativados pelo glutamato.

Quando neurônios espinhais são submetidos a tal situação, apresentando progressivamente sua excitabilidade aumentada, ocorre o fenômeno conhecido como wind up, que leva a um aumento na excitabilidade neuronal. Além de aumentar a eficiência sináptica, as mudanças em longo prazo (evidentemente não adaptáveis) podem incluir a transformação de sinapses silenciosas em sinapses ativas.

Técnicas para prevenir ou modificar estas alterações no sistema nervoso central tem recebido atenção especial. O antagonismo do receptor NMDA parece ser útil na prevenção do desenvolvimento do estado de hiperexcitabilidade. Seu bloqueio tem se mostrado eficiente não só para prevenir a indução da sensibilização central, como também para diminuir ou abolir a sensibilização já estabelecida. Antagonistas seletivos dos receptores NMDA não estão disponíveis para uso clínico, porém, diversos fármacos têm uma significativa atividade e sua aplicação necessita de maior avaliação.

Quando os antagonistas NMDA são empregados preemptivamente, ou seja, antes que ocorra a injúria tecidual, inibem a sensibilização periférica e o wind up na medula espinhal. O fenômeno de wind up mediado pelos receptores NMDA é a base para o interesse crescente em analgesia preemptiva, reduzindo a resposta inicial à dor aguda, prevenindo ou limitando tais alterações centrais.

Cetamina e tiletamina são as fenciclidinas mais amplamente utilizadas em medicina veterinária e apresentam atividade antagonista não competitiva sobre o receptor NMDA. A cetamina é um anestésico dissociativo que é comumente utilizado em várias espécies, apresentando atividade analgésica em doses subanestésicas. Além de analgésico, é considerado um fármaco anti-hiperalgésico e antialodínico, e pode ser empregada em casos de dor neuropática.

A utilização de receitas padronizadas de fármacos com propriedades analgésicas a soluções intravenosas (geralmente morfina, lidocaína, cetamina) é um método excelente para promover suporte analgésico a pacientes durante cirurgia e no período pós-operatório imediato. Uma solução para infusão pode ser constituída de morfina, lidocaína, em associação com a cetamina em cães (MLK), nas doses de 60 mg, 500 mg e 60 mg respectivamente, adicionadas a 500 mL de solução fisiológica. A taxa de infusão contínua deve ser de 1 mL/Kg/h. A associação proporciona excelente analgesia e sedação, que pode ser dosada de acordo com a necessidade de cada paciente. Este coquetel de infusão apresenta também analgesia perioperatória eficiente. Outra formulação sugere as concentrações de120 mg morfina, 720 mg lidocaína e 300 mg de cetamina em 500 mL de solução salina, numa taxa de infusão é de 2 mL/Kg/h.

Amantadina é uma medicação oral para o combate da influenza A e apresenta efeito antagonista NMDA, podendo ser administrada na dose de 3 mg/Kg uma vez ao dia, prevenindo o wind up. A memantina, um fármaco inicialmente utilizado para o tratamento da doença de Alzheimer, também apresenta atividade antagonista sobre o receptor NMDA, podendo ser utilizado para o controle da sensibilização central e periférica durante o processamento da informação nociceptiva.

O íon magnésio possui efeito bloqueador do receptor NMDA que lhe confere características analgésicas, anticonvulsivantes e sedativas. O sulfato de magnésio é um fármaco que tem sido utilizado em medicina, como coadjuvante durante a anestesia geral atenuando a resposta pressórica à intubação traqueal e diminuindo a necessidade intraoperatória de anestésicos e relaxantes musculares.

Atualmente, as atenções estão voltadas para o desenvolvimento de antagonistas específicos para a subunidade NR2B, como o ifendropil, besondropil e elidropil, como a proposta de eliminar os efeitos colaterais sobre o sistema nervoso central.

Texto de Paulo Roberto Klaumann
Médico Veterinário Anestesista
Mestre em Ciências Veterinárias
Hospital Veterinário Clinivet - Curitiba/PR

Casado, pai de duas filhas.
Surfista, ciclista e hiperativo.
Não toma café da manhã antes de ter anestesiado pelo menos 10 pacientes

2 comentários:

  1. É mentira!!!! Eu tomo café durante as 10 anestesias!!!!!!! rsrsrsrsrs

    Valeu meu amigo,vamos continuar desenvolvendo a anestesiologia veterinária no paraná e mostrar que o nosso serviço tem qualidade.

    Um grande abraço, Paulo

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  2. Esse é o alemão...!!!

    No Paraná e no Brasil, Paulinho...
    Parabéns pelo texto...

    Forte abraço...!!!

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